A cor da saudade

gaiola

Era uma vez uma menina que tinha um pássaro encantado. Ele era encantado por duas razões: não vivia em gaiolas, vivia solto e vinha quando queria, quando sentia saudades…

Sempre que voltava, as suas penas tinham cores diferentes, tinham as cores dos lugares por onde tinha voado.
Certa vez, voltou com as penas imaculadamente brancas e contou histórias de montanhas cobertas de neve.
Outra vez, as suas penas estavam vermelhas e contou histórias de desertos incendiados pelo sol.
Era grande a felicidade quando eles estavam juntos.

Mas, sempre chegava a hora do pássaro partir…
A menina chorava e implorava:
– Por favor, não vás. Terei saudades, vou chorar.
– Eu também terei saudades – dizia o pássaro – mas vou-te contar um segredo! Eu só sou encantado por causa da saudade. É a saudade que faz com que as minhas penas fiquem bonitas…

E partiu. A menina, sozinha, chorava.
Uma certa noite, ela teve uma ideia: e se o pássaro não partir? Seremos felizes para sempre! Para ele ficar, basta que eu o prenda numa gaiola. E assim o fez.

A menina comprou uma gaiola de prata, a mais linda que encontrou.

Quando o pássaro voltou, eles abraçaram-se, ele contou histórias e adormeceu.
A menina aproveitou o seu sono e meteu-o dentro da gaiola.

Quando o pássaro acordou deu um grito de dor.
– Ah ! O que é que fizeste? Quebraste o encanto. As minhas penas ficarão feias e eu vou-me esquecer das histórias. Sem a saudade, o amor irá embora…
A menina não acreditou… achou que ele se iria habituar.

Mas, não foi isso o que aconteceu. Caíram as plumas e as penas transformaram-se num cinzento triste.
Aquele já não era o pássaro que ela tanto amava…
Até que ela não aguentou mais e abriu a porta da gaiola.
– Podes ir, pássaro – disse – volta quando quiseres…
– Obrigado – disse o pássaro – irei e voltarei quando ficar de novo encantado. Sabes, ficarei encantado de novo quando a saudade voltar dentro de mim e dentro de ti.

“A saudade faz crescer o desejo.
E quando o desejo cresce, preparam-se os abraços.”

 

Texto de Rubem Alves

mãos que se tocam