Tarot: eu e os outros

seta    Carta do Dia

Autoconhecimento e Tarot

O Tarot pode ser um valioso meio de autoconhecimento, para além do seu já conhecido valor como ferramenta de exploração de vida.

O psiquiatra Carl Jung usou o Tarot e a Astrologia nas suas terapias. Ele considerava duas vertentes no inconsciente: o inconsciente individual (que coincide com o conceito de Freud) e o inconsciente coletivo. Lembremos também que Jung sempre teve uma visão espiritual da psicologia e da dinâmica individual e social. O interessante é que, mesmo o próprio Freud, veio a alargar a sua visão ao falar de sonhos premonitórios e de telepatia, como fenómenos que ele verificou serem correntes entre paciente e terapeuta.

No entanto, foi Jung quem associou o Tarot com os chamados Arquétipos, e estes com o inconsciente coletivo. Como é que poderíamos definir inconsciente coletivo? Numa linguagem simples:  é como um registo coletivo de todas as coisas, de todos os padrões de pensamento e ideias do passado, presente e futuro. Numa sessão de Tarot, eu e o meu cliente entramos numa ligação especial com esse inconsciente coletivo onde se vão gerar forças de atração, repulsão e muitas outras “matizes”. O que as cartas de Tarot captam são forças, energias, tendências, desvios…

carta tarot

Numa sessão de Tarot nunca se captam forças estáticas. Capta-se a dinâmica da vida, fluxos, refluxos, movimentos do Ser humano. Os processos e as decisões estão em constante mutação mas existem tendências e são essas que nos interessam. O Tarot não é uma ciência exata porque não há certezas absolutas, nem determinismos, nem destinos fatais. O Tarot aponta sentidos, direções, movimentos, positivos e negativos. Numa sessão, não manuseamos objetos, interagimos com a alma, exploramos a dinâmica do Ser humano e da vida. Mais do que prever, o Tarot deve responder à pergunta: o que posso fazer para melhorar a minha situação? Que obstáculos, percetíveis e impercetíveis, estão em jogo? Que forças é que estão a atuar?

Neste contexto, mais do que antecipar o que irá acontecer, interessa “iluminar” futuros caminhos e opções. Todos queremos que algo de bom venha a acontecer connosco, algo que faça progredir o nosso percurso de vida. Nesse sentido, o Tarot pode indicar a melhor posição, a atitude mais aconselhável para que a situação se encaminhe para uma solução de harmonia e crescimento do cliente.

Por exemplo: Numa relação problemática no trabalho, com um colega ou com um dirigente. Que sinais é que o cliente está a comunicar? De que forma é que se expressa? Se mudar esses sinais, o comportamento dos outros mudará? O ambiente de trabalho ficará melhor? E que sinais é que precisam de ser reavaliados? Numa sessão de Tarot, esses serão pontos a considerar para encontrar a melhor opção.

Relacionamentos

Ainda ao nível de alguns exemplos, podemos afirmar que uma grande parte das consultas se centra em relacionamentos amorosos, particularmente em saber se aquele ou aquela é o “amor da nossa vida” ou se ele ou ela nos amam realmente. Normalmente, estas questões arrastam por trás alguma dor, desconfortos, dúvidas e é fácil entender que existe algo que não deixa a outra pessoa, nem tranquila, nem feliz. Só que estamos a lidar com algo especialmente sensível, lidamos com sentimentos, ligações afetivas em que, pelo menos num dos lados, houve e há uma entrega profunda. Numa consulta, nesta área, lidamos também com o nosso ego, com as suas armadilhas, lidamos com ilusões de que não nos apercebemos e outras ilusões que a sociedade em que vivemos nos faz crer que são “verdades”.

Numa situação destas, talvez o Tarot “toque” em zonas da personalidade que há necessidade de clarificar, por exemplo:

  • O que sinto por essa pessoa tem a ver com o meu orgulho ferido?
  • Que pensamentos é que esta situação desencadeia em mim?
  • Estou a fazer uma tentativa de salvar a minha dignidade ferida?
  • Qual é a  principal motivação neste relacionamento? Ter alguém para me sentir mais seguro? Sentir-me melhor em termos familiares e sociais? Ter alguém ao meu lado para evitar ficar sozinho, mais tarde?
  • A minha forma de estar neste relacionamento é tentar “dominar” para que as coisas decorram da forma que eu entendo?
  • Este “amor” serve, principalmente, para suprir as minhas necessidades pessoais?
  • Essa pessoa que, supostamente, amo, existe? Ainda existe ou, quem sabe, foi apenas uma construção do meu próprio ego?

Por vezes o nosso olhar está tão fixo no olhar do nosso “amor” que nem reparamos que já não estamos a navegar, nem no mesmo barco, nem no mesmo rio. Vemo-nos, olhamos-nos, mas não nos apercebemos que estávamos em barcos diferentes e, às vezes, até em rios diferentes.

Isto são meros exemplos. Estas e outras questões podem ser desencadeadas durante uma sessão de Tarot para entender, em primeiro lugar, os verdadeiros sentimentos, motivações, receios, medos inconfessáveis, ilusões que teimamos em alimentar…  O Tarot até pode dar pistas mais longínquas e apontar padrões de comportamento que se repetem há muitos e muitos anos… E tudo tem as suas razões que também podem ser esclarecidas e melhor compreendidas. Importante é que exista uma conexão autêntica entre o cliente, o terapeuta e as mensagens subtis que o Universo veicula através dos símbolos das cartas do Tarot. Importante é que as ideias e os sentimentos fiquem mais claros para melhor saber o que fazer ou não fazer, para melhorar a vida, para crescer e ter momentos de plenitude.

árvore da vida

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Relações afetivas “faz de conta”

amor boneco

Lidar com emoções reais parece ser um problema para nós. Dessa forma, há uma tendência para nos escondermos atrás de máscaras e de personagens, a fim de que as nossas emoções reais não sejam conhecidas pelo outro. E o recíproco também é verdadeiro: preferimos lidar com pessoas que se comportem da mesma maneira, num jogo superficial, uma vez que construir uma relação verdadeira com o outro traz riscos que nem sempre estamos dispostos a correr.

As redes sociais virtuais potencializaram essas pseudo-relações que possuímos. Na rede, as pessoas estão quase sempre alegres e felizes, entusiasmadas com a vida e cheias de boa disposição. Por trás das telas, no entanto, escondem os seus medos, as suas dores, as suas angústias e a sua solidão, com o desejo de se manterem interessantes perante os olhares virtuais dos outros. Criam-se, assim, verdadeiras ilhas afetivas e pessoas incapazes de lidar com as frustrações que os relacionamentos podem implicar.

amor virtual

Criamos relações fictícias com um sem número de pessoas, as quais, de um modo geral, mostram-se quase sempre felizes e entusiasmadas com projetos, com a vida, e nós, pela nossa parte, também correspondemos do mesmo modo, mostrando boa disposição, o que faz com que a relação até seja atraente. Este tipo de relações não acarreta problemas ou dores de cabeça e, pode ser um sucedâneo razoável para quem não tem ou não quer ter outro tipo de relacionamentos.

O grande problema é que relacionar-se com outra pessoa vai muito além de sorrisos e de troca de experiências interessantes e de momentos “bons”, porque as relações construídas sob o pilar da facilidade tendem, quase sempre, a não terem continuidade e a deixar o indivíduo ainda mais solitário, às vezes envolto num mundo de fantasias, e cada vez mais incapaz de lidar com emoções reais.

amor máscara

A única forma de construir uma relação verdadeira é estar disposto a lidar com emoções e sentimentos que formam o outro na sua natureza integral, isto é, as suas alegrias, os seus sonhos, as suas conquistas, assim como as suas dores, os seus medos e as suas derrotas. Só quando for capaz de sentir o outro naquilo que ele possui de mais vivo (e ninguém é formado só de alegrias), é que pode haver uma real sintonia geradora de crescimentos comuns.

Ter uma relação em que o outro diz-me sempre o que eu quero ouvir, em que está sempre disponível e contente para mim e parece não ter problemas pessoais, demonstra, apenas um profundo egoísmo de alguém que se preocupa apenas em “receber” algo de uma relação. Numa relação autêntica eu estou disposto a doar-me ao outro nas suas alegrias, para que se possa rir junto, como nas suas tristezas, para que se possa consolar, dar um abraço, uma palavra amiga e um beijo sincero. Devo, também, entender que o outro tem a sua personalidade e, portanto, terá um olhar próprio sobre a vida, o qual nem sempre corresponderá ao meu.

Desse modo, qualquer relação requer paciência e esforço mútuos. Isolar-se atrás de um ecrã só garante mais isolamento, solidão e tristeza. É preciso estar disposto a viver emoções reais, com pessoas reais, que riem, mas também choram, para que se possa crescer e aprender a lidar com os próprios sentimentos. É claro que sempre haverá o risco de alguém sair magoado ou de se dececionar, pois as pessoas não são “bonecas” nem vêm com garantia de uso.

O caminho é mesmo esse e é o único. Somente com o tempo vamos amadurecendo e aprendendo com os erros. Vamos descobrindo mais sobre nós mesmos e sobre a vida. E, para isso, é preciso viver, arriscar e aceitar as quedas que a vida dá. As relações virtuais podem até ser “bonitas”, mas nada substitui um sentimento sincero, pois, como diz Clarice Lispector:

“O bonito encanta-me, mas o sincero, ah! Esse fascina-me.”

Texto de E. Morais  (adaptado)